segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Um Misterioso Assassinato em Manhattan



"Um Misterioso Assassinato em Manhattan (Manhattan Murder Mystery - Estados Unidos, 1993), produção que pode ser considerada como pontapé inicial deste período menos pretensioso da vida artística de Allen, também é uma obra de arte cômica esplendorosa, que brinca com muita classe com diversos elementos daquele velho estilo de suspense levado às massas pelo grande mestre Alfred Hitchcock, no qual as tramas procuravam trazer cidadãos comuns (vide a obra-prima síntese da sétima arte, Janela Indiscreta) fazendo as vezes de investigadores particulares, normalmente impulsionados por algum fato de incisiva importância em suas vidas. A partir de uma premissa simples e até mesmo banal, atualmente – mulher suspeita que vizinho matara a esposa e começa a investigar o caso por contra própria, tentando, ao mesmo tempo, convencer o marido de que o crime realmente aconteceu e fazendo com que aos poucos ele também passe a se envolver na loucura -, Allen constrói uma comédia inteligente, recheada de ótimos e impagáveis diálogos e situações cômicas que brotam na tela tal qual flores em um jardim bem adubado.

Aliás, é exatamente esta premissa simples da qual parte o filme que demonstra a capacidade singular do diretor em extrair humor das banalidades da vida cotidiana, uma característica que já faz parte de sua idiossincrasia cinematográfica desde os tempos em que realizara sua maior obra-prima, o melhor filme da história, Annie Hall. Trabalhando em cima de uma pequena crítica/sátira social, por assim dizer, a respeito do vazio encontrado na vida dos casais de classe média da sociedade moderna (a obsessão pelo caso simplesmente ocorre em virtude de o fato ser um diferencial no morno relacionamento da dupla), Woody brinca o tempo todo com a inter-relação entre marido e mulher, que, no fim, pode muito bem ser considerada uma análise das dificuldades encontradas em seu casamento com Diane Keaton, durante a década de 1970 – já que a atriz voltaria a contracenar com ele neste filme depois de quase 15 anos sem fazê-lo (aliás, um retorno no mínimo magnificente, já que Keaton é simplesmente a mulher mais engraçada que já surgira no cinema, impreterivelmente).

Allen, como já é de costume mais do que costumeiro, interpreta em Um Misterioso Assassinato em Manhattan aquela típica persona cinematográfica sua: o nova yorkino judeu, intelectual, neurótico e extremamente irônico, estigma com o qual convive desde o início da carreira – aliás, estas características já viraram marca registrada do autor, muitas vezes rendendo comentários de que, na verdade, nada mais seria do que uma representação de sua própria figura da vida real (algo que ele nega fervorosamente). O ator (no caso) ficara famoso também pelo estilo de humor corrosivo e veloz, com frases curtas e piadas extremamente sutis e sarcásticas, algo que permanece em voga neste trabalho – e rende ótimas e divertidíssimas seqüências, como sempre, aliado à característica singularmente atribuída ao personagem deste filme, muito mais medroso e, por incrível que pareça, inseguro, do que o habitual (o que sugere uma espécie de contraponto à alucinada vontade de sua esposa em desvendar o mistério, transformando-o no ponto frágil da relação – e explorando o fato muito bem).

Entretanto, não é apenas de humor que a obra se sustenta. Muito embora a narrativa seja construída com pretextos totalmente voltados para a comicidade, a trama de suspense criada por Allen possui forma muito bem delineada, com todas aquelas qualidades clássicas que constituem um bom filme do gênero: densidade de personagens, situações inusitadas, reviravoltas surpreendentes e uma construção impecável da ambientalização, dos cenários e de toda a motivação do enredo - transformando o filme não apenas em uma sátira, mas sim em uma obra completa, independente de qual seja a visão utilizada para analisá-la. Ademais, outro ponto extremamente interessante a ser suscitado é o referencialismo que Allen utiliza para com as obras clássicas do gênero, como o supracitado Janela Indiscreta, o clássico noir Pacto de Sangue, de Billy Wilder, e, principalmente, o também noir (e também excelente, por sinal) A Dama de Shangai, de Orson Welles, do qual Allen recria de maneira extremamente criativa toda a famosíssima seqüência final – semelhantemente àquilo que fez com Casablanca em seu ótimo Sonhos de um Sedutor)."

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Aproveitem essa tortinha de 'woody allen'.

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